segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Direitos Humanos, esquizofrenia e hipocrisia

No dia em que se comemoram os 64 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma reflexão sobre a esquizofrenia e hipocrisia do dito "mundo ocidental", com um extrato do livro de Jean Ziegler "O Ódio ao Ocidente", seguido do lead de um artigo de Eduardo Febbro no Carta Maior:

"A Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal como foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a 10 de dezembro de 1948, é herdeira, designadamente, da Declaração de Independência dos Estados Unidos, tal como esta última foi proclamada em Filadélfia a 4 de julho de 1776.

Com Benjamin Franklin, Thomas Jefferson foi o redator principal da Declaração de Filadélfia. Na sua morte, em 1826, ele deixou aos seus herdeiros, além das terras imensas na Virgínia, a plena propriedade de mais de duzentos escravos.

O artigo 1 da Declaração Universal de 1948 diz isto: «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.»

O artigo 3: «Todo o indivíduo tem direito à vida à liberdade e à segurança pessoal.»

Ora, em 1948, três quartos da Humanidade viviam sob a férula colonial. Nos acampamentos dos trabalhadores forçados das plantações de borracha do Camboja as crianças morriam de subalimentação, da poluição da água e da malária.

No Gabão, nos Camarões e no Congo-Brazzaville, os capatazes das sociedades florestais francesas agrediam com chicotes cravejados de pregos, até fazerem sangue, os lenhadores demasiado fracos, demasiado doentes para conseguirem abater o número exigido de árvores.

Em Kivu, em Maniema, em Cassai, os administradores belgas penduravam nos ramos das árvores, pelos seus punhos algemados, os trabalhadores das minas suspeitos de furto; quando a gangrena já tinha feito o seu trabalho, o supliciado era desatado, e as suas mãos amputadas.

Durante todo este tempo os estados ocidentais, principais estados membros das Nações Unidas na época, festejavam todos os anos, a 10 de dezembro, os nobres princípios dos direitos humanos. O que não retira, aliás, nenhuma validade aos princípios em questão. Mas isso não deve distrair-nos um só momento dessa capacidade que os ocidentais têm de ditar a lei aos outros sem que a apliquem a si próprios. É que essa capacidade, que roça a esquizofrenia, é impressionante."

Fonte: Extrato do livro "O Ódio ao Ocidente", de Jean Ziegler, 2008. Edição portuguesa de outubro 2012, Temas & Debates, Círculo de Leitores. (introdução da versão brasileira  aqui)

"As democracias ocidentais têm grandes dificuldades para esconder o rabo do diabo. As potências que no interior do Conselho de Segurança da ONU promovem resoluções em defesa dos Direitos Humanos ou para condenar o regime sírio, egípcio, líbio ou iraniano são as mesmas que venderam a esses regimes - e a outros - o material tecnológico necessário para vigiar e reprimir a oposição. A hipocrisia é uma regra de ouro: a comunidade internacional invoca os valores por um lado e, pelo outro, entrega com chaves nas mãos os instrumentos tecnológicos usados para submeter os povos."

Fonte: Artigo de Eduardo Febbro "Ocidente equipa serviços de espionagem de países que condena",  Carta Maior, 26/03/2012

3 comentários:

  1. Olá Manuela!

    Não li o livro que nomeia - nem irei ler pois, neste momento, a minha leitura passa por "leitura espiritual" -, mas quero aqui deixar um facto verídico da história, ou seja: tenho para mim que a declaração universal dos direitos do homem, morreu à nascença, ou então nasceu deformada e ferida de morte.
    Passo a explicar: Thomas Jefferson, figura eminente da dita declaração, segundo imensos relatos nos USA, enquanto presidente teve relações com uma escrava negra 30 anos mais nova, do qual nasceram vários filhos. Filhos esses (5 ou 7?) que nunca os reconheceu; e que segundo relatos recentes, em 1998 descendentes desses escravos fizeram um teste de ADN que confirmou a consanguinidade/paternidade do Thomas Jeffersosn.
    Segundo outros relatos (aqui já tenho as minhas dúvidas...), Thomas Jefferson teve muitos mais filhos com outras escravas, e que esses filhos terão sidos vendidos com escravos, ou seja, não lhes deu a "proclamada liberdade".
    Lembro que Thomas Jeferson era sulista (Virgínia), proprietário de uma grande herdade agrícola, e de um estado que "proclamava" a escravidão.
    Bem prega Frei Tomás (T.J.)...
    Saudações,
    António

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    1. Nota de explicação:

      Manuela, olhe que a citação/provérbio que faço no final do anterior comentário é dirigido ao Thomas Jefferson, e não a si, como é lógico!
      Longe de mim em lhe "atirar pedras" a si, pois todo o seu trabalho aqui feito só demonstra que você é totalmente o contrário do significado da citação.
      O seu trabalho e esforço é muito meritório!

      Quando ontem escrevi o comentário, não me apercebi do "efeito" que tal frase têm; só mais tarde, e visto assim "por fora" (como leitor), é que me apercebi que pode ter causado "mal estar" ou incompreensão.
      Se tal foi o caso as minhas sinceras desculpas!

      Cumprimentos,
      António

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    2. Caro António

      Claro que eu entendi a sua mensagem, e não podia estar mais de acordo, por isso nem sequer vejo qualquer razão para interpretar mal ou que possa motivar um pedido de desculpas!

      Aliás, a sua mensagem é bem parecida com uma do texto do Jean Ziegler, pois ele refere-se à esquizofrenia, mesmo ao nascer da Declaração de Filadélfia, que deu origem à Declaração dos Direitos Humanos: como é que é possível que um dos redatores, o tal Thomas Jefferson, tenha deixado 200 escravos como herança? Pior que esquizofrenia, eu diria que é hipocrisia pura! Assim sendo, uma Declaração com um conteúdo tão importante nasceu de pai "violador",o que leva à crer que estaria condenada à nascença. O que, infelizmente, se tem verificado, apesar de a esperança ser a última coisa a morrer...

      Só tenho é de lhe agradecer o seu comentário, e se não respondi antes, foi por falta de tempo!

      Muito obrigada e um abraço :)





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